Criptofauna - Hachishakusama
Bem-vindo
de volta, leitor do Tubarão Asmático! Estamos aqui pra mais uma edição do
Criptofauna! A série onde vamos explorar, discutir e aprender sobre os seres
mais místicos e misteriosos do mundo! Preparem suas bombinhas porque vamos
perder o fôlego entre o horror e os mistérios de hoje!
Todo
mundo aqui já ouviu falar do Slenderman, o rei da creepypasta, um ser
interdimensional, imortal e eterno, que consegue mesclar vários tipos de medo
em um só. Um deles é o medo do desconhecido, presente na sua forma amorfa e sem
rosto. O outro vem com características do Cthulhu Mythos de HP Lovecraft, do
qual a referência mais óbvia e reconhecível é do Caos Rastejante: Nyarlathotep,
uma criatura tentacular com 999 formas que tem como maior prazer atormentar a
frágil mente humana com uma injeção de medo puro e concentrado.
Ah,
assim como nosso amigo de terno, ele também teve importância na história do
Egito, ficando conhecido como o Faraó Negro, enquanto Slenderman só meio que
aparece nuns hieróglifos.
MAS!
Nem só de psicologia e Lovecraft vive o ser que enlouquece com o olhar!
A
verdade é que o Slenderman não existe. Ele foi criado em um concurso de edição
de fotos assombradas do site Something Awful em 2009. Mas antes deste branquelo
alto, bonito e sensual (que talvez seja a causa dos seus problemas), houveram
outros seres como ele, mais especificamente dois. Hoje vamos falar da
Hachishakusama; a Dona Oito Pés de Altura.
Mas
quem é a Hachishakusama? Bom, sua primeira menção na internet data de 26 de
agosto de 2008 no site japonês 2Chan, um ano antes do camarada branquelo, e
conta a história de uma pessoa que foi visada pela criatura em 98, sugerindo
que o conto é mais antigo do que parece, mas vamos voltar pra isso MAIS TARDE!
A
lenda original a descreve como uma mulher aparentemente jovem, magra, pálida,
de cabelo preto longo e, o mais importante, extremamente alta, medindo 8 pés de
altura (aproximadamente 2,5 metros). Ela usa um longo vestido de verão branco
acompanhado de um largo chapéu de palha da mesma cor. Outras versões dizem que
ela é uma velha vestindo um kimono esfarrapado ou uma jovem usando a típica
mortalha branca japonesa, mas vamos usar a skin padrão hoje, já que é a versão
mais aceita. Branco é a cor da morte pro Japão, daí as roupas sempre claras e
limpinhas, sugerindo que ela é um fantasma.
Mas
o que ela faz? A Hachishakusama, além de ter um nome tão grande quanto ela, procura
crianças sozinhas na rua, já que elas dependem dos pais e não têm como se
defender sozinhas, e, ao encontrar uma que ela goste, se aproxima escondida
fazendo “po... po... po...” em uma voz grave e masculina. Essa referência ao
seu Teletubby favorito é o que mais rapidamente entrega a presença da criatura,
um sinal perfeito pra correr sem olhar pra trás, já que dizem que quem vê a
Hachishakusama tem sua morte garantida nos próximos dias.
A
única coisa que se sabe ao certo sobre as crianças levadas pela criatura é que
nenhuma delas jamais foi vista de novo. Quem encontra a Hachishakusama deve
imediatamente contar a um adulto pra que ele possa ajudar a preparar um ritual
de proteção pra que a vítima possa sobreviver à noite.
A
proteção consiste em colocar a criança em um quarto isolado do mundo exterior,
com as janelas cobertas em jornal ou outra coisa que impeça a Hachishakusama de
olhar pra dentro do quarto. Essas folhas devem ser cobertas com selos de
proteção. Além disso, uma estátua de Buda deve ser colocada no centro do quarto
para que a vítima possa rezar por proteção e quatro vasilhas de sal devem ser
colocadas em cada canto do quarto. É importante dar também um balde, já que a
criança não pode sair do quarto de maneira alguma até as 07h30.
Com
as preparações completas e a porta agora trancada, a noite começa. A
Hachishakusama vai tentar entrar no quarto, batendo nas janelas e imitando a
voz de um familiar pra convencer a vítima a abrir a porta. Se isso não
funcionar, ela vai começar a bater na porta e nas janelas, fazendo seu barulho
cada vez mais alto pra assustar a criança. O sal das vasilhas se torna negro,
um sinal claro da impureza espiritual da criatura.
Com
o nascer do sol, a família abre o quarto na esperança de encontrar a criança lá
dentro – como uma criança no começo dos anos 2000 que abre uma mini pokébola na
esperança de encontrar um Mewtwo – e, se ela estiver lá dentro, o verdadeiro
ritual começa, já que, na verdade, o lance do quarto só serve pra comprar
tempo.
O
verdadeiro desafio é expulsar a Hachishakusama e tirar a criança do local o
quanto antes, já que ficar lá é uma garantia de que a moça alta vai levar sua presa.
Pra esse novo ritual é preciso que a pessoa tenha uma série complicada de
objetos que começa com uma van que possa levar nove pessoas mais motorista, uma
pessoa sentada na frente E a trilha sonora de Initial D incluindo a música Deja
Vu. Eu tenho a mais absoluta certeza de que é nessa parte que a maior parte das
crianças some, já que também é necessário um carro, a família da criança, oito
parentes adultos, um motorista pra van, uma pessoa de significância espiritual
que deve conhecer um encanto específico e amuletos de papel.
A
criança deve se sentar no banco central do carro e ser rodeada pelos oito
familiares. Nos bancos da frente, devem ficar o motorista e a pessoa religiosa,
que eu vou chamar de sacerdote daqui pra frente porque não tenho paciência pra
nomes compostos. Um amuleto deve ser dado pra vítima, que deve abaixar a cabeça
e fechar os olhos até que seja seguro. A van parte e o carro deve ir logo
atrás. O objetivo disso é confundir a Hachishakusama enquanto o sacerdote faz
um encanto pra manda-la embora. E funciona... por algum tempo.
Não
demora muito pra que batidas de todos as forças e ritmos possam ser ouvidas de
dentro da van. Ninguém pode ver Hachishakusama, só a vítima, daí o motivo dela
ter que manter o rosto abaixado e os olhos fechados o tempo todo. As batidas
vão ficar mais fortes e agressivos conforme o tempo passar, mostrando que a
criatura encontrou de vez sua presa e está prestes a pegá-la. Por sorte, o
amuleto dado à criança é feito pra proteção e, enquanto estiver bem, ele vai
fazer seu propósito. Por azar, o espírito da Hachishakusama é tão impuro e
cruel que é capaz de amaldiçoar o amuleto, o deixando completamente negro e
fazendo que ele precise ser trocado. É preciso dirigir com o sacerdote
repetindo seu encanto até que a criatura seja banida.
Mas
esse não é o fim dela. O ódio no espírito da Hachishakusama é tão poderoso que
nem mesmo o banimento vai mantê-la longe de sua vítima escolhida, fazendo com
que a pessoa precise se afastar da área onde o encontro ocorreu. Mas o alcance
da criatura é mais longo que as suas grandes pernocas, forçando a infeliz
criança a deixar o Japão pra nunca mais retornar, já que ela estará esperando
sua volta com um abraço.
Apesar
de sua primeira visita à internet datar de 2008, a Hachishakusama parece ser
pelo menos um pouquinho mais antiga que isso, mesmo que não tenhamos como
confirmar isso, já que a história da postagem no 2Chan acontece em 98 e sugere
que o espírito existe há muito mais tempo.
Um
trecho específico da história sugere não só a idade da assombração, mas também
seu poder. Esse, é claro, é o trecho que fala da prisão da Hachishakusama. A avó
do autor conta pra ele que muitos anos atrás a Oito Pés foi posta em um
santuário abandonado nos arredores da cidade por monges, que a selaram quatro
Jizo, estátuas guardiãs capazes de afastar espíritos malignos e proteger
crianças, uma em cada direção cardeal, norte, sul, leste e oeste.
Estátua Jizo. Fonte: https://aoikuwan.com/2011/09/21/as-treze-deidades-da-escola-shingon-parte-5-jizo-bosatsu/
A
lenda diz que uma das estátuas foi quebrada, liberando a criatura, que acumulou
anos de fúria e energia vingativa ainda mais fortes, uma situação que parece ter
saído de um episódio de Gegege no Kitaro, um anime que vamos discutir em breve
no Plano Piloto! Desde sua soltura, o espírito vaga pelo Japão, ressurgindo a
cada 15 anos pra capturar crianças, que provavelmente são sua fonte de energia,
e sumir. Algo parecido com Pennywise, o palhaço dançante do livro It, de
Stephen King.
A
história dela é bem famosa e pode ser facilmente achada na internet em português
ou inglês. Como muitos espíritos do Japão, a melhor maneira de manter a
Hachishakusama afastada é simplesmente não conhecendo ela, já que nomes
carregam peso por lá. Se bem que você acabou de ler isso, então seguro com certeza
você não está. Opa!
Mas
de onde surgiu essa lenda? Na verdade, ninguém sabe ao certo, mas eu tenho
algumas suspeitas. Uma delas, a mais simples, é que ela é baseada em certos
youkais, especificamente os espíritos que assombravam prostíbulos e distritos
da luz vermelha. Mais especificamente ainda, um desses espíritos é a Taka Onna, o fantasma de uma mulher “feia demais pra casar” que assombra esses distritos
na forma de uma mulher feia e extremamente alta que olha pela janela as pessoas
“se divertindo” pra assustar elas e se alimentar da energia sexual. Bizarro.
O
outro é a Kerakera Onna, o espírito de uma prostituta que morreu já velha e
ganhou poderes após a morte. Ela toma a forma de uma senhora gigante que
observa homens que andam sozinhos pela rua e surge pra eles com uma risada alta
e estridente capaz de fazer homens fracos desmaiarem e homens fortes serem
assombrados pela risada pelo resto de sua vida até enlouquecerem. Somente eles
podem ouvir o som terrível.
Acredito
que a Hachishakusama seja uma mistura das características da Taka Onna com as
da Kerakera Onna. Ela tem a aparência da primeira e poderes similares aos da segunda,
com sua “risada” sendo o característico “po... po... po...”
A
segunda teoria entra um pouco em território de teoria da conspiração, mas, depois
de pesquisar e bater cabeça, eu acho que é plausível.
Tudo
indica que a Hachishakusama é um fantasma da pior e mais cruel variedade, um
Onryo, espírito vingativo criado por sentimentos de ódio e vingança extremos. Algo
que explicaria sua altura e sua voz, descrita como grave e masculina, seria a
condição hormonal conhecida como gigantismo, que faz com que a pessoa tenha uma
altura muito acima da média e voz mais grave que o normal.
O
nome Hachishakusama, Dona Oito Pés de Altura, parece um apelido maldoso dado
por uma criança pra alguém que sofre dessa condição. Minha teoria é que, em
algum período no passado do Japão, uma jovem portadora de gigantismo sofria
muito por conta do preconceito do povo de sua vila, especialmente das crianças.
Isso eventualmente levou a garota ao suicídio, fazendo com que o espírito dela
retornasse à terra com uma poderosa vingança a tomar, uma que não pararia
nunca. Daí também a tendência dela de atacar crianças, já que estas seriam suas
atacantes mais comuns.
Não
é incomum se ver histórias de terror japonesas que se iniciam com bullying,
bons exemplos são o jogo de RPG Maker clássico Misao e o mangá de terror
Pumpkin Night. Eu acho que essa é uma teoria muito plausível do que pode ter
criado esse espírito mais que maligno.
A
Hachishakusama pode não ser tão comum na cultura pop, mas ela causa um impacto
tremendo onde aparece. Um exemplo é do anime anual Yami Shibai, que conta
versões alternativas de lendas urbanas japonesas. O episódio 8 da primeira
temporada, considerado por mim o melhor, conta a história da Deusa do Guarda
Chuva, uma entidade temível que mistura a Hachishakusama com a Ame Onna, um dos
piores e mais horríveis youkais pra mim. O mesmo ritual da Oito Pés é feito pra
afastar a deusa, mas não funciona ao fim do episódio. Em vez de “po”, a Deusa
do Guarda Chuva diz “shiiiiii”, que em japonês significa “morte”.
Deusa do Guarda Chuva. Yami Shibai 1 episódio 8
Uma
representação mais próxima da original é a Mulher Alta de Fatal Frame: Maiden
of Black Water. Ela é uma figura idêntica à Hachishakusama, tendo até a mesma
história, mas nunca tem sua história explicada no jogo, mesmo que outros
fantasmas importantes tenham, dando a ela um tom a mais de mistério, o que gerou
discussões em fóruns através da internet.
A Mulher Alta. Fatal Frame: Maiden of Black Water
E
esse é o fim do Criptofauna de hoje, meus amigos! Espero que tenham gostado da
Hachishakusama tanto quanto eu gostei de estudar sobre ela! Esse foi o primeiro
de dois Criptos especiais pra comemorar o filme do Slenderman, que
aparentemente é péssimo, explicando as criaturas que deram origem a ele, então
saibam que semana que vem tem mais! Não esqueçam de compartilhar o post se
gostarem dele! Até semana que vem, deixo vocês com esta arte da criatura da
semana da maravilhosa artista Sarah Nazik! eu sou o Tubarão Asmático,
jornalista e criatura marinha! Muito obrigado e até a próxima!
Hachishakusama, por Sarah Nazik
No caso da Kerakera Onna, as alternativas são desmaiar (e depois acordar de boas) ou ser assombrado até pirar. É uma boa forma de ilustrar o ditado "mais vale um covarde vivo do que um valente morto!"...
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